O recurso, cujo valor não é detalhado em decisão judicial, foi repassado para a empresa Arco Construções e Incorporações, que não tem o ministro entre os sócios formais, mas "faticamente pertence a Juscelino Filho", segundo a PF.
FABIO SERAPIÃO E MATEUS VARGAS
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Polícia Federal afirma que Eduardo José Barros Costa, sócio oculto da Construservice, empreiteira suspeita de fraude em licitações da estatal federal Codevasf, pagou a uma empresa de fachada do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA).
O recurso, cujo valor não é detalhado em decisão judicial, foi repassado para a empresa Arco Construções e Incorporações, que não tem o ministro entre os sócios formais, mas "faticamente pertence a Juscelino Filho", segundo a PF.
A suspeita da polícia é de que Juscelino se beneficiou de um esquema de desvio de verba de emendas parlamentares indicadas pelo próprio ministro, que está licenciado do cargo de deputado federal pelo Maranhão.
Segundo a apuração, os recursos indicados pelo parlamentar foram usados em contratos com a Construservice para obras em Vitorino Freire (MA), cidade governada por Luanna Resende, irmã do ministro. A empresa teria sido contratada em editais fraudados.
"Em contrapartida, Juscelino Filho obtém vantagens indevidas não somente por meio de obras de pavimentação asfáltica que beneficiam as suas propriedades, mas também através de transferências bancárias realizadas diretamente para intermediários e para a sua empresa de fachada", afirma a investigação da PF.
A suspeita levou a corporação a pedir busca e apreensão contra Juscelino, o que foi negado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso.
"Indefiro por ora a apreensão de aparelhos celulares e notebooks, ponderando, de um lado, os indícios até aqui existentes e de outro o impacto institucional de tal medida, cujo dano poderá ser irreversível, caso ao final não seja apurado o comportamento delituoso", decidiu Barroso.
O juiz do Supremo, porém, determinou o bloqueio de bens do ministro e de outros dez suspeitos, no valor individual de até R$ 835,8 mil. O valor corresponde ao prejuízo causado pelas supostas irregularidades.
Barroso ainda afastou Luanna do cargo e determinou busca e apreensão contra 11 suspeitos.
As investigações da PF sobre a atuação da Construservice em convênios da Codevasf tiveram origem em reportagens da Folha de S.Paulo publicadas em maio de 2022. O jornal revelou que a empreiteira havia obtido a vice-liderança em licitações da Codevasf, apesar dos indícios de crimes contra o seu suposto dono de fato, o empresário conhecido como Eduardo DP.
Antes disso, a PF já investigava suspeitas de um esquema de Costa com verbas do Ministério da Educação, mas com base nas reportagens da Folha de S.Paulo deflagrou a primeira fase da operação com foco na Codevasf em julho do ano passado.
Após a PF apresentar indícios de ligação dos supostos crimes com deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA), o caso migrou da Justiça Federal ao STF. O ministro das Comunicações foi incluído como investigado no mesmo inquérito devido às suspeitas relacionadas às emendas parlamentares.
As suspeitas da PF sobre Juscelino envolvem três convênios, no valor de R$ 14,18 milhões, firmados entre a Codevasf e o município de Vitorino Freire com verbas de emendas do ministro. Deste valor, já foram pagos R$ 8,18 milhões pela estatal.
A polícia encontrou conversas de Juscelino ao analisar o celular do sócio oculto da Construservice, conhecido como Eduardo DP. O aparelho do empresário havia sido apreendido em fase anterior da investigação.
A apuração cita "diversas mensagens em que o deputado Juscelino Filho faz alusão de emendas da sua autoria a Eduardo DP, indicando, de forma antecipada, o intento de direcionamento dos futuros contratos a este empresário".
Segundo a investigação, a verba, "desde sua origem", já estava direcionada para a Construservice.
A PF afirma que propriedades rurais do ministro foram diretamente beneficiadas pelos trechos escolhidos para as obras. As obras próximas das fazendas foram noticiadas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Os investigadores afirmam que a Arco foi subcontratada e recebeu transferências de Eduardo DP, realizadas com auxílio de um terceiro. Ainda citam "prováveis entregas de dinheiro em espécie" ao tratar das "vantagens indevidas" obtidas por Juscelino.
PF narrou ao Supremo como seria o "esquema" para beneficiar o ministro das Comunicações do governo Lula (PT). Juscelino teria informado a Eduardo DP "que a verba foi destinada e que haverá procedimento licitatório", segundo a investigação.
O ministro teria ainda indicado um intermediário para Eduardo DP, que o orientou a procurar uma empresa que havia sido contratada por Vitorino Freire para elaborar licitações.
O plano era montar uma disputa direcionada para a Construservice vencer, segundo a PF.
As mensagens de celular obtidas na investigação mostram que uma consultora contratada pela prefeitura chega a perguntar para um funcionário de Eduardo sobre itens que deveriam ser incluídos no edital.
"Após se sagrar vencedora, a Construservice fica subordinada diretamente aos interesses de Juscelino Filho, realizando as obras a partir de seu interesse pessoal e sob a sua coordenação", afirma a polícia.
Em nota, os advogados do ministro negam irregularidades com uso de emendas.
"Toda atuação de Juscelino Filho, como parlamentar e ministro, tem sido pautada pelo interesse público e atendimento da população", diz nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
"É importante ressaltar que Juscelino Filho não foi alvo de buscas e que o inquérito servirá justamente para esclarecer os fatos e demonstrar que não houve qualquer irregularidade. Emendas parlamentares, vale dizer, são instrumentos legítimos e democráticos do Congresso Nacional e Juscelino Filho segue à disposição, como sempre esteve, para prestar esclarecimentos às autoridades", completa.
Também em nota, a Codevasf disse que "colabora com o trabalho das autoridades desde a primeira fase da operação Odoacro, realizada em julho de 2022".
"No âmbito de apurações internas relacionadas às operações, a Codevasf demitiu um funcionário no mês de agosto após a conclusão de processo conduzido por sua Corregedoria. A Companhia mantém compromisso com a elucidação dos fatos e com a integridade de suas ações - e continuará a prover suporte integral ao trabalho das autoridades policiais e da Justiça", afirmou a Codevasf.
Em nota, os Daniel Leite e Tharick Ferreira, que defendem a Construservice, negaram irregularidades e disseram que a empresa está à disposição das autoridades. Eles também disseram que o inquérito policial "se encontra em fase inicial" e mostra apenas "alegados indícios sobre os quais sequer foi ouvida anteriormente".
Os mesmos advogados defendem Eduardo DP. Eles afirmaram que o empresário, que não foi alvo da operação desta sexta-feira (1), também está à disposição das autoridades.